Operação Tatus II

Por Evânio Santos

Contribuição de José Aloísio Cardoso e José Ayrton Labegalini

Desde meados da década de 80 que a comunidade espeleológica nacional criou interesses pela área do Complexo Caverna do Padre. Em julho de 1987, o EGMS (Espéleo Grupo de Monte Sião) juntamente com o GBPE (Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas) e o EGA (Espéleo Grupo de Avaré) realiza a maior expedição espeleológica até então, dentro do território brasileiro. Denominada "Operação Tatus II - Experimento de Permanência Subterrânea", a expedição teve como objetivo o isolamento de 13 espeleólogos por 21 dias (recorde sul americano de permanência em cavernas) na Gruta do Padre, centro-oeste baiano, na cidade de Santana, resultando na topografia da gruta, que passou a ser a maior da América do Sul, na época, com 15 800 m topografados.

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987

Em 30 de junho de 1987 o grupo partiu de Monte Sião - MG com destino a Santana - BA. O comboio era formado por um caminhão de carga (cedido pela Porcelana Monte Sião Ltda.), e duas caminhonetes e uma caravana (emprestados pela GM). Em Belo Horizonte completou-se o carregamento com o restante dos materiais e equipamentos, onde se juntou também ao comboio, a equipe da Rede Globo (que fez um documentário da expedição e que foi exibido pelo Fantástico) e depois de 1 500 km, 300 em estradas de terra, a equipe chegou ao local definido, às 22:00 horas do dia 1º de julho.

Os dias 2, 3 e 4 foram utilizados para o término da montagem dos acampamentos interno e externo, instalação de toda infraestrutura e testes das instalações e equipamentos. No dia 04 de julho às 18:00 horas começou oficialmente o EXPERIMENTO. 

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987

O acampamento interno ficava a 300 m da boca da caverna e a 40 m abaixo do nível do acampamento externo. O local, não escolhido, mas disponível, foi uma praia arenosa e inclinada, que se estendia da margem esquerda do rio até a parede lateral, com largura média de 10 a 12 metros, desnível de 2 a 3 metros com 40 a 50 metros de comprimento. Uma verdadeira obra de engenharia fez-se necessária para transformar este local em algo habitável por 13 pessoas durante 21 dias consecutivos. 

Em janeiro de 1987, foi feito um minucioso levantamento topográfico do local disponível, em abril executou-se o projeto de infraestrutura básica do acampamento, e no início julho foi concluído as instalações auxiliares do acampamento.

Usando-se madeira para a contenção da areia, foram construídos vários patamares, um de 5 m X 6 m para ser a cozinha e sala, outro de 2,5 m X 18 m para ser o dormitório, e outros três de 10 m, 12 m e 15 m para servirem de laboratório, escritório e depósito, respectivamente. Ainda, usando-se os mesmos materiais foram construídas escadas de acesso ao chuveiro, ao sanitário e ao rio. Com uso de madeirite, tábuas, caibros e ripas, cedidos pela Prefeitura de Santana, na pessoa de Geraldo Brandão (prefeito municipal na época) foram construídos o piso da cozinha, lastro do dormitório, mesa de 1 m X 5 m para a cozinha, estrado para armazenagem de alimentos, bancada de cozinha com fogão a gás e pias, bancos, jiraus, prateleiras, etc.

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987

No exterior havia um gerador a óleo de 5 KVA, que era acionado a pedido da equipe interna via telefone. Uma rede elétrica, convenientemente dimensionada, alimentava a iluminação elétrica e uma bomba d'água, a montante do acampamento. A água do rio era recalcada para um depósito de 200 litros, feito com dois tambores preparados, e daí, por gravidade tinha-se água encanada na cozinha e no chuveiro.

Por mais que se queira, é impossível não interferir no sistema ecológico local, mas para amenizar a influência da equipe, todo esgoto produzido, bem como a água servida no chuveiro, era filtrada em areia antes de ser lançada definitivamente no rio. Com a mesma intenção, todo lixo, urina e dejetos eram retirados da caverna à medida que eram produzidos.

Isolados do tempo, sem relógio e sem o sol como referência, a experiência rendeu resultados, tendo sido topografada a Gruta do Padre (pela Equipe Interna) e a Gruta do Cipó, a Gruta do Túnel, a Gruta São Geraldo e o Labirinto do Toxodon (topografadas pela equipe externa).

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987

A permanência dos espeleólogos durante os 21 dias no interior da Gruta do Padre é considerada por muitos como um dos marcos divisores na história da luta pela preservação do patrimônio espeleológico brasileiro, tamanha foi a sua divulgação. As emoções da descoberta de raríssimas formações minerais, de novas espécies de crustáceos cavernícolas e de ossadas de animais já extintos, a exploração de enormes galerias e salões, foram compartilhadas com todo o Brasil. Sem relógios e sem noção do tempo, a equipe não teve dificuldades em concluir a topografia: tratava-se, na época, da maior caverna da América do Sul.

Ocorreram também grandes descobertas realizadas pela Equipe Externa que dava cobertura total à equipe interna e realizava pesquisas na área do Complexo Caverna do Padre. Além dos trabalhos espeleológicos ocorreram também pesquisas paleontológicas, tendo o Prof. Carlos Castor Cartelle feito coletas de fósseis do Toxodon no Labirinto do Toxodon e do Cavalo Primitivo na Gruta do Túnel. Esse material encontra-se em poder do Museu de História Natural da PUC/MG.

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987

O deslumbramento da equipe interna dos 13 espeleólogos durante os 21 dias de Experiência Subterrânea foi se revelando nas ocorrências descobertas no interior da Gruta do Padre: espécies troglóbias, diplópodes e anfípodes, bolhas de calcita (desconhecidas no Brasil na época), pérolas de cavernas únicas no planeta terra, conjunto de estalagmites (velas) de até 4 metros de altura. Os salões Oásis e Pedra Lascada com 50 metros de altura, totalmente brancos e cintilantes, galerias amplas e espaçosas, uma delas com mais de 800 m de comprimento por 30 a 40 m de largura e 20 a 30 m de altura; o mundo subterrâneo que ali foi se revelando durante os trabalhos realizados pela equipe interna era de muita alegria pelas descobertas.

Pela primeira vez se faz no Brasil uma exploração multidisciplinar envolvendo espeleologia, geologia, biologia, paleontologia, educação ambiental, psicologia, engenharia, fotografia, geografia, arqueologia, mineralogia, limnologia, etc. Também pela primeira vez no Brasil se consegue noticiar um evento espeleológico em nível nacional, dando reflexos positivos imediatos.

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987 - Dia da saída dos 13 espeleólogos
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987 - Dia da saída dos 13 espeleólogos

Ultimamente a Gruta do Padre ocupa o terceiro lugar das maiores cavernas do Brasil com uma extensão de quase 17 km. Um trabalho que naquele período já ficou comprovado uma degradação ambiental foi o exame das águas, feitas por um dos espeleólogos do CETEC de Minas Gerias que indicou "traços de água Sanitária" nas águas internas da Gruta do Padre.

A Operação Tatus II inaugurou um novo estágio da espeleologia no Brasil e abriu as portas para que o mundo conhecesse as maravilhas do Complexo Caverna do Padre, dando um incentivo maior à preservação ambiental e ao turismo espeleológico.

Durante uma visita realizada ao Complexo Caverna do Padre, em outubro de 2009, Aloísio Cardoso, único integrante da equipe interna nascido em Santana, registrou a presença de fosseis na Gruta das Grotas, no município de Canápolis.

ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987
ARQUIVOS DA OPERAÇÃO TATUS II, JULHO DE 1987

Em 1997 Aloísio Cardoso, como Gerente Regional da Chapada Diamantina, elaborou o Relatório Preliminar da Bacia do Rio Corrente - Levantamento de Dados, propondo justificativas para criação da Unidade de Conservação do Complexo Caverna do Padre e da área das nascentes do Rio Corrente, visando a preservação e conservação do Bioma do Cerrado, à montante da cidade de Correntina. Infelizmente, 23 anos depois, nenhuma ação por parte do governo foi de fato realizada para atender a este apelo. No presente momento algumas propostas que favorecem a criação de uma Unidade de Conservação foram encaminhadas aos gestores municipais das cidades onde se situa o Complexo Caverna do Padre. A luta não para.

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